Há muito que ações, ditas impropriamente de cautelares satisfativas, estão abarrotando o Poder Judiciário e retirando da sociedade a possibilidade de obter do monopolista da Justiça, o Estado, uma tutela tempestiva. A citar como exemplo as ações de exibição de documentos e as de prestação de contas, que formam um sem fim de demandas, aumentando o dano marginal das demais, a que igualmente vincula-se o dever do Estado; não cumprido adequadamente.
Mas não é só nesse que se verifica um artífice notadamente guerreado pela comunidade jurídica (e acadêmica), o qual, aliás, parece que cegamente permanece o Poder Judiciário (no sentido literal e não imaginário do ideário de Justiça: cega, mas com o equilíbrio da balança). Ora, ainda que seja uma anomalia atribuída ao sistema, não pode ficar inerte a Justiça frente à notoriedade que a mídia vem produzindo com reportagens investigativas com o a que foi ao ar no domingo, 04-09-2011 (http://fantastico.globo.com/Jornalismo/FANT/0,,MUI1671994-15605,00.html)
Há mais de cinco anos, contudo, os operadores (nos processos) e a mídia (nos canais respectivos) veem divulgando que quadrilhas estão por detrás (direta ou indiretamente) da grande massa de processos judiciais onde a sociedade em geral está sofrendo pela ineficácia do Estado em outros segmentos. Há vazamento de informações (ou participação de agentes) das Secretarias de Segurança Pública, no INSS, nos demais setores. Falida está a máquina estatal; em todos os seus Poderes! Apodrecida, corrompida e incapacitada de cumprir suas obrigações para com a sociedade que busca sobreviver por vias tortuosas, escapando de um Estado vampiro!
Transfere sua responsabilidade ao cidadão, especialmente às grandes empresas, sob o manto da teoria da responsabilidade civil objetiva, do risco total, já que ela mesma não cumpre suas obrigações, tampouco assume suas responsabilidades perante a sociedade. Solapa com tributos a iniciativa privada e faz uma engenhosa distribuição de renda por via obliqua, valendo-se do Poder Judiciário.
Até aqui nada de novo, lamentada apenas a banalização da situação pela pacífica e ignorante sociedade brasileira. Mas, face à falta de providências do Estado, a anomalia do conformismo coloca as soltas, pela inversão de valores também, toda a espécie de arquitetura social negativa; que inexoravelmente impregna a esfera privada. Cria uma distorcida e paralela realidade que se difunde tal qual a tecnologia, gerando uma infinidade de efeitos colaterais.
No programa Fantástico, da Rede Globo, foi possível observar que quadrilhas especializadas em negociar cadastros/dados confidenciais estão auxiliando na propositura de ações judiciais forjadas.
Parece que a solução dada pelo art. 38 do CPC ajuda na anomalia. Ora, dispensar o reconhecimento de firma no instrumento particular de procuração, pelo menos para esses casos, é fomentar a mente ardilosa dos operadores sem ética que se valem das brechas do sistema judicial, submetendo-o (e a sociedade) a um sem fim de ações que tratam de matéria de direito (que acabam por criar uma barreira ao descobrimento da ardilosidade por não aprazamento [ou necessidade de] da audiência prevista no art. 331 do CPC). Ora, como saber se a procuração foi firmada pela parte que será autora da demanda? Como saber, por exemplo, se nas ações declaratórias de inexistência de débito ou nas exibitórias de documentos, a assinatura da procuração é a verdadeira e não a que consta no contrato firmado?
Poderá ser dito que há possibilidade de prova pericial. Mas face à anomalia criada pelo Estado, que não fiscaliza, que não coibi, que não cumpre suas responsabilidades, as empresas (e a sociedade em geral), sofrida pelo amplo acesso (e desenfreado) ao Judiciário, prefere as empresas, em uma atitude de estratégia (custo x benefício) não fazer a prova (que terá custo maior que o da condenação), ocasionando por certo uma procedência da demanda (aumentando a anomalia). Claro está que em muitos casos o prolongamento da demanda ocasionaria o aumento do dano marginal e a atitude não é de ser estranhada. Mas como o Judiciário pode ter certeza que os interesses da “parte outorgante” (que em tese busca o cumprimento do dever Estatal de prestar a tutela) não é, por via obliqua, e de verdade, interesse da mente distorcida de um operador de direito que sequer conhece a “parte outorgante”?
Já foi o tempo em que o juiz era apenas “la bouche de la loi”! O que se espera do julgador hodierno é mais participação. É necessário colaboração! É interesse em solver os conflitos sociais que medram diuturnamente como erva daninha e não apenas conflitos judiciais na vã esperança de estar dando solução concreta aos problemas da sociedade dentro de um Estado ausente. Poucas são as decisões onde se observa uma análise não perfunctória e massificada, de um julgador em plano horizontal com as partes (ver anexo) e não no estilo Deus do Olimpo (nos moldes da mutação alhures referida).
Ora, em casos tais aos veiculados pela mídia e de conhecimento notório dos operadores, o formalismo se impõe! Não sendo viável o aprazamento de tantas audiências preliminares quanto se gostaria para, pelo menos, aferir a veracidade da outorga em audiência, face à inevitável inviabilidade que isso geraria, ao menos fosse exigido procuração por instrumento particular com reconhecimento de firma por autenticidade, tornando inconteste, em tese (pois sempre há o risco da fraude cartorária), a constituição do advogado.
ANEXO
Comarca de Canoas
3ª Vara Cível
Rua Lenine Nequete, 60
Processo nº:
008/1.10.0017495-1
Natureza:
Exibição de Documentos ou Coisas
Autor:
C.O.H.
Réu:
C.P.Ltda
Juiz Prolator:
Juiz de Direito - Dr. Luiz Felipe Severo Desessards
Data:
31/08/2011
Vistos etc.
Carla de Oliveira Herbstrith, qualificada, ajuizou ação cautelar de exibição de documentos em face de Credi 21 Participações Ltda., também qualificado. Aduziu ter firmado um contrato de cartão de crédito com o réu, não o tendo recebido no momento da formalização, e não logrando obtê-lo na via administrativa. Aduziu imprescindível o instrumento para o ajuizamento de futura demanda judicial. Postulou a procedência da ação para condenar o réu a exibição do referido documento. Pediu AJG. Juntou documentos (fls. 05/16).
Deferida a AJG. (fl. 17).
Citado, o réu apresentou contestação (fls. 19/27). Preliminarmente, pugnou pela extinção do feito sustentando falta de interesse de agir. No mérito, disse que jamais houve negativa de apresentação do contrato, sendo inverídicas as alegações declinadas pela parte autora. Pugnou pela improcedência da demanda. Acostou documentos (fls. 28/48).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo a fundamentar e decidir.
O feito encontra-se ordenado, e tratando-se de matéria de direito é possível o julgamento antecipado da lide, com fundamento no artigo 330, I, do CPC.
A requerente ingressou com a presente ação postulando a exibição de documentos, os quais aduz terem-lhe sido negados na via administrativa. Do relato da peça inicial, subentende-se que a parte autora pretende, após obter o contrato solicitado, ajuizar ação questionando ou as cláusulas contratuais ou eventual negativação originada no instrumento vindicado.
A presente demanda, adianto, não merece prosperar.
Os requisitos de procedência de uma ação cautelar exaurem-se na demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora; o primeiro, consistente na verossimilhança do direito alegado, e o segundo, na possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação em virtude da demora na obtenção da tutela jurisdicional.
Com efeito, a presente demanda não apresenta qualquer dos requisitos passíveis de ensejar a procedência do pedido, pois não existe qualquer perigo na não obtenção de tal documento porque a parte autora já ajuizou, contra o requerido, a ação de prestação de contas que pretendia instruir com o documento (processo n° 008/1.10.0011654-4), fato esse que apenas conforta a decisão adotada por esse juízo em inúmeros julgados, no sentido de não emprestar interesse processual à ação de exibição de documentos quando tal pleito pode ser formulado no bojo da ação principal.
Dessa feita, a presente demanda apresenta-se completamente esvaziada de interesse processual, o que, com o processamento do feito, não mais leva à extinção da demanda, mas sim a sua improcedência.
O juiz, assim como seus amigos e familiares, também pratica atos negociais com instituições financeiras e lojas comerciais, e diante do senso comum, não se mostra crível acreditar que a parte ré tenha negado à parte autora uma cópia da contratação ou até mesmo acesso às cláusulas do negócio. Menos crível ainda é acreditar que a parte postulante tenha realizado um negócio sem assegurar-se de todos os compromissos que estava assumindo.
O teor padronizado com que as presentes demandas vêm sendo repetidamente apresentadas ao poder judiciário, relatando argumentos falaciosos e completamente esvaziados de interesse processual, configura uma afronta ao ordenamento jurídico, colaborando, sobretudo, para o desnecessário assoberbamento do Poder Judiciário.
Na maioria das cautelares de exibição de documentos as partes sequer comprovam que buscaram obter o documento junto à parte demandada. Quando comprovam, anexam Aviso de Recebimento dos Correios, assinalando o envio de notificações extrajudiciais, sem demonstrar contudo, o teor da notificação enviada. E isso quando a postagem não é realizada poucos dias antes do ajuizamento da demanda judicial, inviabilizando e tolhendo o direito de resposta da contatada.
Outro fato que não me passou despercebido, e que quero registrar, é que houve, recentemente, um considerável aumento no número de ajuizamento de ações cautelares exibitórias como a que ora se analisa. Não se percebeu, contudo, o resultado que seria consequência da primeira conduta: a instrução das ações revisionais ou indenizatória com os documentos obtidos. Ou seja, as ações ordinárias fundadas no documento pleiteado continuam sendo ajuizadas sem o contrato anteriormente obtido. Tudo isso a somar ao convencimento que formei acerca da desnecessidade do ajuizamento da presente cautelar, ante a evidente falta de interesse processual a amparar o pleito formulado.
Apenas para constar, a parte autora titulariza 09 ações judiciais na comarca de Canoas, entre demandas exibitórias e declaratórias aforadas contra diferentes empresas. Em todas as incursões judiciais, frise-se, litiga sob o manto da assistência judiciária gratuita.
O número excessivo de exibitórias que assola o Judiciário gaúcho nos últimos meses - notadamente na comarca de Canoas - ajuizados por pessoas que, na esmagadora maioria das vezes, são beneficiárias da gratuidade da justiça, demonstra a aventura jurídica e o desrespeito com que vem sendo tratado o direito e o judiciário brasileiros.
A conduta das partes e seus constituintes colabora para o agravamento do volume das demandas judiciais, causando morosidade e dispêndio de dinheiro público, prejudicando não só os jurisdicionados, mas também os próprios profissionais do direito, que dependem da efetividade jurídica para o exitoso exercício do trabalho.
Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido de exibição de documentos ajuizado por C.O.Hem face de C.P.Ltda Pelo resultado, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da ré que, com base no critério da equidade a que alude o §4º, do art. 20, do CPC, arbitro em R$ 600,00, corrigidos da data da publicação da sentença até o efetivo pagamento.
Vai suspensa a exigibilidade da cobrança em face do demandante, por litigar sob o pálio da AJG.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Visando imprimir celeridade ao feito, desde logo determino:
(a) o recebimento de eventuais apelações interpostas pelas partes no duplo efeito, com fulcro no artigo 520 do Código de Processo Civil.
(b) que o Cartório, com a interposição dos recursos, abra vista à parte adversa para contrarrazões - devendo assim proceder também na hipótese de haver recurso adesivo – e que na sequência envie os autos ao Tribunal de Justiça.
Contudo, nas hipóteses de intempestividade, ausência de preparo (exceto se a parte for beneficiária da gratuidade da justiça ou requerer o benefício no momento da interposição do recurso) e oposição de embargos de declaração, deverão os autos ser conclusos.
Transcorrido o prazo recursal sem oposição de irresignação, certifique-se e, nada sendo requerido, dê-se baixa e arquive-se.
Canoas, 31 de agosto de 2011.
Luiz Felipe Severo Desessards,
Juiz de Direito
* Artigo originalmente publicado e disponível em: http://www.processoscoletivos.net/ponto-e-contraponto/851-acoes-judiciais-forjadas-a-cegueira-da-justica-a-anomalia-do-sistema-e-a-lesao-da-sociedade-consideracoes-sobre-a-notoriedade-fatica-dos-casos-de-fraude-na-concessao-de-credito-veiculados-pela-midia